Muito já se falou sobre o trabalho remoto desde que a Covid-19 apareceu em Portugal.
Muitas empresas foram forçadas a adotar um regime de trabalho à distância para o qual não estavam minimamente preparadas.
Outras já desenvolviam políticas de trabalho flexível que permitiam o trabalho remoto à distância, mas ainda assim não deixaram de ser surpreendidas.
A questão atual já não é se o teletrabalho veio para ficar.
A questão que se coloca é como as empresas se devem adaptar a este novo modelo e, para isso, importa conhecer o que pensam os seus colaboradores: a sua satisfação, os benefícios que identificam, as dificuldades que sentem e as expectativas que têm em relação ao futuro.
A Remote Portugal tentou responder a estas questões através de um inquérito direcionado especificamente a trabalhadores por conta de outrem que estejam atualmente em teletrabalho, ou que tenham tido essa experiência no passado.
O inquérito decorreu entre os meses de Janeiro e Março de 2021, tendo obtido 237 respostas válidas.
O nosso primeiro estudo visa assim ajudar na compreensão do que aconteceu no último ano e qual é a preferência dos trabalhadores sobre a sua forma de trabalhar pelo que optámos por um número mais reduzido de inquéritos que nos permitisse fazer uma abordagem e leitura qualitativa dos resultados.
Apresentamos de seguida as principais conclusões obtidas.
Iremos começar com uma análise mais abrangente na qual pretendemos perceber a relação dos inquiridos com o trabalho remoto, se já tinham experiência antes da pandemia Covid-19 ou se foi uma experiência totalmente nova, assim como o seu nível de satisfação.
Nos tópicos seguintes iremos analisar em detalhe as condições em que desempenham este modelo de trabalho: quais são os benefícios e os desafios que sentem, como tem funcionado a comunicação e a colaboração remota, em que condições físicas trabalham e qual o impacto em termos financeiros.
Por último, analisaremos o que esperam estes colaboradores do futuro do trabalho remoto em 2021.
Do total de inquiridos, surpreendentemente, 60% indicou que a sua empresa já permitia o trabalho remoto antes da pandemia, quer fosse em situações excecionais ou sempre que o colaborador quisesse.
Deste universo de empresas destaca-se o setor das tecnologias de informação e comunicação (TIC), seguido dos serviços empresariais, mas também se regista alguma representatividade na indústria e no comércio.
Empresas nas quais já se verificavam políticas de trabalho flexível como dias de férias suplementares, avaliação de desempenho com base em objetivos, ausência de horário / local fixo para trabalhar e licenças sem vencimento.
Talvez por esta experiência não ser totalmente nova, 71% dos inquiridos considerou que a empresa se adaptou bem ao trabalho remoto desde o início da pandemia, apesar de 44% nunca ter experienciado este modelo de trabalho antes.
Resultados reforçados por algumas respostas dos inquiridos, como «A empresa adaptou-se bem e proporcionou todas as condições aos seus trabalhadores», resposta de um técnico especializado do setor das TIC que nunca tinha experimentado o trabalho remoto antes da pandemia.
Embora seja um resultado positivo, os inquiridos identificaram algumas melhorias na transição para o trabalho remoto, como o apoio financeiro para adaptar o espaço em casa (38%), melhor orientação acerca das expetativas em relação ao trabalho (22%) e melhores ferramentas para comunicar e colaborar (17%).
Curiosamente, os 29% de inquiridos que indicaram que a empresa não se adaptou bem a este regime de trabalho, identificaram precisamente os mesmos aspetos a melhorar, mas claramente atribuindo mais importância a uma melhor orientação acerca das expetativas em relação ao trabalho (29%), melhores ferramentas para comunicar e colaborar (24%), vindo depois a necessidade de apoio financeiro para adaptar o espaço em casa (22%).
Quisemos ainda conhecer as especificidades do modelo de trabalho remoto em que os inquiridos se encontram, para perceber o nível de flexibilidade que sentem para desempenhar as suas tarefas.
O resultado mostra uma divisão clara entre um modelo rígido que obedece a horários fixos com ausência de objetivos para o desempenho do trabalho (54%) e um modelo flexível que permite ao trabalhador ser responsável pela sua gestão de horários e entrega de resultados (46%).
Num resultado francamente positivo, tendo em conta a situação de trabalho remoto em home office forçado no último ano, 85% dos inquiridos revela satisfação com o trabalho remoto.
Resultado corroborado pela percentagem de inquiridos que indica estar satisfeito em relação à quantidade de tempo que trabalha remotamente (43%) e que gostaria de trabalhar neste regime com mais frequência (42%).
49% das respostas indicam que o trabalho remoto ocupa, em média, as 8 horas por dia de trabalho, enquanto 35% indica ocupar mais do que as 8 horas por dia, sendo o período da manhã o mais cobiçado para um melhor desempenho (61%).
Em relação aos fatores fundamentais para o bom funcionamento do trabalho à distância, destacam-se a velocidade da internet (20%), o espaço dedicado ao trabalho em casa (20%) e o trabalho por objetivos (18%), seguidos de uma boa cadeira de escritório (16%), a desmaterialização de documentos (13%) e silêncio (11%).
Outros fatores apontados pelos inquiridos relacionam-se com uma melhor gestão de horários, um «Acompanhamento digital para maior proximidade e comunicação», indicado por um Técnico Especializado do setor das TIC, e mais “Clareza e objetividade na transmissão de informação por parte das chefias», apontado por um Administrativo do setor social.
Já em relação às horas extra, ganhas por não terem de fazer deslocações, as opiniões dividem-se como se pode ver no gráfico seguinte.
O elevado nível de satisfação com o trabalho remoto resulta de 5 benefícios principais identificados pelos inquiridos.
No entanto, importa também analisar os principais desafios que têm surgido ao trabalhar à distância.
Se por um lado se revelaram muito desafiantes aspetos como o isolamento, a colaboração e comunicação, e a dificuldade em “desligar do trabalho”, outros aspetos como tirar dias de férias, manter o foco e as distrações em casa foram apontados como os menos desafiantes.
Já quando se comparam determinados aspetos em ambiente de trabalho remoto face ao trabalho presencial, as principais melhorias registaram-se na qualidade de vida familiar, na qualidade de vida pessoal e na produtividade.
Por outro lado, o número de horas de trabalho surge como um dos aspetos que piorou face ao trabalho presencial, o que vai ao encontro dos 35% de inquiridos que indicaram trabalhar mais de 8 horas por dia, seguido da dificuldade em tornar visível o trabalho perante a gestão e a saúde mental e bem-estar.
Algumas respostas dos inquiridos revelam ainda dificuldades mais específicas sentidas ao trabalhar à distância, como a necessidade de «Maior apoio a pessoas com dificuldade em trabalhar sozinhas», sentida por um Quadro Superior do sector das TIC, e a necessidade de «Mais organização e consideração de quem está no escritório fisicamente para quem está em remoto», sentida por um Técnico Especializado do setor da Comunicação, Marketing e Publicidade.
73% dos inquiridos concorda que existe uma maior frequência de reuniões de videochamada, no entanto, as opiniões dividem-se em relação à sua eficácia com 42% a considerar que as reuniões não são produtivas e 37% a discordar.
Cerca de 20% das reuniões acontecem fora do horário de expediente e 26% dos inquiridos sente que existe um maior número de contactos por parte dos superiores para saber o estado de tarefas específicas.
Em relação à utilização de ferramentas apropriadas para o trabalho à distância, destacamos as 3 mais utilizadas em:
De salientar que 78% dos inquiridos indicou não ter tido formação sobre como se trabalha remotamente e sobre as respetivas ferramentas.
Quando pedido para avaliar alguns aspetos da comunicação e colaboração em ambiente de trabalho remoto, face ao trabalho presencial, apesar de cerca de metade dos inquiridos sentir que tudo se mantém igual, regista-se algum agravamento a nível do trabalho em equipa (36%), da relação com os colegas (35%) e do feedback, entregue e recebido (32%).
62% dos inquiridos indicou que a empresa não costuma pedir feedback para melhorar a experiência de trabalho remoto.
60% dos inquiridos sente que não tem tido oportunidades de progressão na carreira, desde que trabalha remotamente, e 72% indica que não teve formação financiada pela empresa, na sua área de trabalho, desde que trabalha remotamente.
A cultura da empresa parece não ter sido impactada por esta transição com cerca de 68% dos inquiridos a indicar que tudo se manteve igual.
A nível de envolvimento, e apesar de 53% das respostas indicar que a empresa não promove encontros não relacionados com trabalho, os resultados são bastante positivos: 60% Sinto-me envolvido em todas as atividades da empresa, mesmo estando a trabalhar remotamente; 77% Sinto-me parte da equipa, mesmo estando todos a trabalhar à distância e 68% Sinto-me integrado na cultura da empresa, mesmo sendo trabalhador remoto.
A maioria dos participantes no inquérito encontra-se a trabalhar no seu local preferido: a sua casa (44%), sendo que a sala, de estar ou de jantar, é o espaço mais utilizado, seguido do escritório e do quarto.
54% dos inquiridos nunca considerou trabalhar em espaços de coworking.
Sem resultados surpreendentes, desde que começaram a trabalhar remotamente os inquiridos viram um aumento nas despesas de casa (52%), nos artigos para adaptar o espaço em casa (25%) e na alimentação (23%).
Pelo lado positivo, os inquiridos verificaram uma redução nas despesas com deslocações (44%) e vestuário (37%).
A média indica que 78% dos inquiridos não precisou de comprar artigos para exercer melhor a sua atividade em trabalho remoto. Entre os restantes 22%, os principais artigos adquiridos foram uma cadeira adequada (25%), phones (25%) e mesa de trabalho (17%).
52% dos inquiridos pagou os equipamentos na totalidade, no entanto 43% gostaria que tivesse sido a empresa a comparticipar as despesas na totalidade.
Resultados que fazem sentido dado que o apoio financeiro para adaptar o espaço em casa foi um dos aspetos mencionados pelos inquiridos que podia ter sido melhor na transição para trabalho remoto.
O cenário expectável pelos participantes do inquérito não é surpresa: 49% gostaria de manter um regime misto, enquanto que 39% gostaria de ter total flexibilidade para escolher o regime de trabalho pretendido.
Neste regime misto, os inquiridos gostariam de trabalhar remotamente entre 2 a 3 dias por semana.
Quando questionados sobre mudanças mais profundas para transitar para um ambiente de trabalho 100% remoto, as opiniões continuam a ser positivas.
A satisfação com o regime de trabalho remoto é evidente.
Os resultados surpreenderam-nos com 85% dos inquiridos a responder que se encontram satisfeitos e muito satisfeitos com este modelo de trabalho (ver gráfico), mesmo quando 44% nunca tinha experienciado o trabalho à distância.
Os principais benefícios incluem a liberdade para as pessoas poderem trabalhar a partir de casa, ou outro local, aproveitando o tempo das deslocações para dedicar mais atenção à sua vida pessoal e familiar, aspetos que melhoraram claramente face ao trabalho presencial.
Outro aspeto que nos surpreendeu foi o facto de 52% dos inquiridos sentirem que a sua saúde mental e bem-estar melhoraram trabalhando à distância, e apenas 23% sentir que pioraram em relação ao trabalho presencial.
Os resultados do inquérito e a nossa análise levam-nos a concluir que este aspeto encontra-se diretamente relacionado com as condições em que vivemos atualmente, derivadas da pandemia e das restrições à nossa liberdade, assim como das condições que ainda podem ser ajustadas para melhorar o trabalho remoto, transformando esta experiência num fator potenciador de bem-estar pessoal e profissional.
Apesar dos resultados positivos, claramente existem pontos em que as empresas ainda precisam de trabalhar, nomeadamente, agilizar a comunicação e a colaboração remota, entregando melhores ferramentas, gerir as expetativas e dar orientação em relação ao trabalho, e garantir um maior apoio a quem sente dificuldade em trabalhar à distância.
Existem também algumas aprendizagens que os colaboradores ainda precisam de fazer, nomeadamente, uma melhor gestão de horários para conseguir “desligar” do trabalho, e encontrar estratégias para melhorar a visibilidade do trabalho perante a Gestão.
Algumas dificuldades são certamente agravadas pelas restrições que decorrem da pandemia Covid-19, como o isolamento, aspeto apontado como o mais desafiante pelos inquiridos. Também aqui as empresas podem tentar ajudar ao promover encontros que estimulem a socialização, a partilha e o feedback.
Pedir feedback aos colaboradores sobre a experiência de trabalho remoto pode trazer respostas valiosas sobre os aspetos cirúrgicos em que a empresa precisa de agir para melhorar as condições de trabalho.
Nomeadamente, perceber se os colaboradores dispõem de todas as ferramentas para desempenhar as suas tarefas e estar disponível para comparticipar algumas dessas despesas, avaliando a possibilidade de disponibilizar um apoio financeiro para adaptar o espaço de trabalho e para fazer face ao aumento nas despesas de casa.
O futuro passa inevitavelmente por criar um regime flexível de trabalho, e aqui as empresas podem encontrar um sistema que funcione em conjunto com os colaboradores, de forma a definir os dias em que estão no escritório e os dias em que trabalham remotamente, possibilitando que o façam a partir do local que preferirem (ver gráfico).
Quer seja em casa, em espaços de cowork ou em outros locais do país.
Dar a opção de trabalhar a partir de qualquer lado pode parecer arriscado para as empresas.
É preciso transformação e adaptação para que esta possibilidade se torne real, sem riscos.
Isto passa por dar formação sobre o trabalho remoto e sobre os cuidados a ter a nível de segurança digital, entregando as ferramentas adequadas para a comunicação e colaboração à distância, disponibilizando processos de documentação e comunicação assíncrona, implementando a avaliação de desempenho por objetivos e garantindo sempre uma cultura de proximidade, de escuta e de apoio.
O futuro do trabalho remoto já está a acontecer. É preciso escutar os colaboradores e adaptar os sistemas para que possa existir a máxima produtividade, com a máxima satisfação, potenciando uma relação win-win.
A equipa da Remote Portugal agradece a todas as pessoas envolvidas neste estudo e a todos os que partilharam e contribuíram para estes resultados.
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