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Parece mentira, mas já passaram meses desde que começou oficialmente a Guerra na Ucrânia, no dia 24 de fevereiro de 2022. Desde então, milhões de cidadãos ucranianos, fugidos da guerra, deslocaram-se para países vizinhos ou para aqueles que se disponibilizaram para os acolher. Em pouco mais de 3 semanas, Portugal recebeu mais de 10 mil Ucranianos, mais do que todos os refugiados acolhidos desde 2015 em território nacional.
Os que vêm são estudantes que vêem a sua formação interrompida, trabalhadores que entram em “férias” forçadas, mães com crianças que não percebem outra língua e que procuram uma oportunidade de continuar a sua vida com a normalidade possível, no canto da Europa que mais longe está do conflito.
Mão-de-obra qualificada que não quer – à semelhança do que aconteceu com outras ondas de refugiados, migrantes e tantos outros deslocados – acabar nas limpezas ou na construção civil. Procuram continuar as suas carreiras e a sua formação ao invés de ficarem reduzidos à conotação negativa que a própria palavra “refugiado” acarreta.
A onda de solidariedade das empresas portuguesas parece ter sido capaz de antever isso mesmo, ao criar uma oferta imediata e à altura do que procuram os cidadãos ucranianos, agora residentes em Portugal.
Muitas abriram postos de trabalho especificamente para as vítimas da guerra, agilizaram processos e quebraram barreiras (principalmente burocráticas) para ajudar com o que muitos procuram: uma oportunidade digna e interessante de trabalho.
No entanto, há empresas que têm sido acusadas de utilizar o contexto para levar a cabo um autêntico golpe de marketing ou de quererem apenas beneficiar dos apoios que estão disponíveis no mercado.
Mas será que as empresas ganham mesmo com este tipo de iniciativas? Como pode ser interessante, do ponto de vista empresarial, contratar refugiados? Que empresas estão a fazê-lo?
Neste artigo, vamos perceber isso mesmo e contribuir para que as entidades tomem decisões informadas e conscientes antes mesmo de quererem dar um novo rumo a quem mais precisa.
De onde vêm as oportunidades?
A 17 de março, ainda não tinha a guerra na Ucrânia um mês de existência, já eram mais de 23 mil ofertas de trabalho para refugiados ucranianos em Portugal. Foi o caso da Tangível e da Hyphen, empresas da área de Human-Centered Design, que abriram propositadamente vagas para empregar vítimas deste conflito. André Carvalho, o co-CEO das empresas, contou-nos o que os motivou a fazê-lo:
“Poucos dias depois de ouvirmos a notícia da invasão da Ucrânia, questionamo-nos sobre como podíamos ajudar, enquanto empresa, e surgiu a ideia de acolhermos e encontrarmos emprego para profissionais da área de User Experience (UX) Design, em que trabalhamos. Falámos também com alguns dos nossos clientes, que aderiram à iniciativa e divulgamos as oportunidades em várias plataformas, com esperança que chegassem aos destinatários certos.
Quando chegou o primeiro contacto, de uma jovem UX/UI designer de Odessa, respondemos em poucos minutos e ajudamo-la a vir para Portugal, a tratar dos procedimentos legais, a encontrar casa e emprego. Foi a primeira colaboradora Ucraniana do Grupo Tangível e começou recentemente a trabalhar com um dos nossos maiores clientes. Entretanto, já acolhemos e contratamos outros profissionais e prevemos continuar a fazê-lo, com ou sem incentivos financeiros. Esta foi a forma que encontramos de ajudar estas pessoas que viram a sua vida interrompida pela guerra.”
Apoio à contratação de refugiados para as empresas
Os incentivos financeiros, de facto, existem e não são novos, nem foram especialmente desenvolvidos neste contexto. É o caso do programa ATIVAR, anunciado no início do ano, um programa que veio substituir os conhecidos estágios profissionais. Têm igualmente a duração de 9 meses e a comparticipação do IEFP e visam, entre os vários destinatários, ajudar os refugiados de qualquer conflito de guerra como se pode ler aqui.
O apoio à contratação pode ir até 80% (custos unitários, por mês e por estágio) e a percentagem de comparticipação acresce 15% no caso de ter, entre outros, o estatuto de refugiado.
Ainda no âmbito do programa ATIVAR, existe outra opção para quem procura celebrar contratos com colaboradores sem termo ou a termo certo. Esta é uma vertente do programa mais virada para apoiar a formação dos colaboradores, uma vez que, existe precisamente a obrigatoriedade das empresas proporcionarem formação profissional aos trabalhadores contratados.
Também aqui são visados os refugiados e o apoio financeiro à empresa é de 12 vezes o valor do IAS, no caso de contratos de trabalho sem termo e de 4 vezes esse valor, no caso dos contratos a termo certo. Acresce 10% de comparticipação se o destinatário for refugiado.
O IEFP oferece ainda uma medida de caráter excecional que consiste na concessão de um apoio financeiro à contratação sem termo, conjugado com um apoio financeiro ao pagamento de contribuições para a segurança social, no primeiro ano de vigência dos contratos de trabalho apoiados. Essa medida chama-se Compromisso de Emprego Sustentável e também se aplica à situação dos refugiados inscritos no IEFP, como se pode ler aqui.
Em suma, só da parte do IEFP, existem, pelo menos, 3 apoios à contratação de refugiados de que podem beneficiar as empresas que o queiram fazer:
- Estágios ATIVAR
- Incentivo ATIVAR
- Compromisso de Emprego Sustentável
Foi maioritariamente através desta instituição que o Estado português conseguiu criar condições para ajudar e acolher os refugiados ucranianos com a dignidade merecida em Portugal. O IEFP criou rapidamente uma página dedicada ao efeito – https://www.iefp.pt/portugal-for-ukraine – onde explica, em detalhe, estes apoios à contratação; possibilita o contacto entre os que procuram trabalho e as empresa que oferecem e ainda, promove cursos de português para facilitar o acolhimento. Qualquer questão sobre este assunto pode ser direcionada a ofertasucrania@iefp.pt.
O Governo criou ainda um mecanismo de acolhimento que permite simplificar a burocracia no momento da chegada e que, consequentemente, permite aos ucranianos ter a situação regularizada o mais célere possível, para conseguirem, entre outras coisas, candidatarem-se a oportunidades de trabalho. Não foi, no entanto, o caso da Tangível e da Hyphen que experienciaram alguma complexidade nesta contratação de um colaborador que ainda não estava regularizado em Portugal.
Esta, como tantas outras empresas (como é também o caso da Bira dos Namorados que está pronta acolher refugiados), fazem-no sem ter sequer conhecimento dos apoios à contratação. Representam a atitude altruísta e solidária da maioria das empresas e cidadãos portugueses que estão a fazer tudo para minimizar os efeitos da guerra nas vítimas deste conflito. A sua empresa também pode fazer esta diferença. Infelizmente, o conflito não tem um fim à vista e os refugiados, apesar de em menor número, não param de chegar.
Qual o papel do trabalho remoto neste conflito?
Ouve-se falar do trabalho remoto como uma solução que é benéfica e positiva para quem adopta, de forma geral, este método de trabalho. No entanto, nem sempre é o caso. Em contextos como o que retratamos, o trabalho remoto não representa, para já, a solução que a maior parte das vítimas deste conflito procura. Parece não ser uma solução viável muito devido aos efeitos psicológicos da solidão que lhe está muitas vezes associada.
A Sasha, uma estudante de media e jornalismo dos arredores de Kiev, chegou ao centro de refugiados de Cascais sozinha, com pouco mais do que o que trazia no corpo. A sua Universidade ficou parcialmente destruída nos bombardeamentos e os professores, apesar de estarem a fazer um esforço enorme para continuar a lecionar online, vêem-se deparados com dificuldades impensáveis de enfrentar em pleno séc. XXI: a maioria dos alunos está sem acesso aos seus computadores e os rapazes estão a lutar nas frentes de combate.
A Sasha já perdeu dois colegas da Universidade neste conflito. Não é apenas estudante. Trabalha também numa empresa do setor que tem serviços de clipping, rádio online, entre outros. No centro de refugiados trabalhava no smartphone enquanto estava deitada no beliche da camarata que partilhava com outras 3 famílias ucranianas completamente desconhecidas.
Contou-nos que a empresa onde estava a trabalhar não se ia aguentar muito mais do que um mês. As consequências do conflito arruinaram também as empresas ucranianas. Desde que tenha wifi continua a trabalhar enquanto pode, mas está já à procura de outro emprego. Gostaria de trabalhar no mesmo setor ou na área dos eventos, mas tem noção de que a melhor estratégia é tentar o setor do turismo, uma vez que, fala inglês e que a época alta para os turistas em Portugal está a chegar.
Não quer pensar em trabalhar remotamente e prefere ter aulas de português também de forma presencial. Afirma, como tantos outros refugiados, que se encontravam no centro, que o que mais precisam agora é de estar ocupados e em contacto com pessoas, para conseguirem desenvolver rapidamente novas competências, enquanto se distraem, tanto quanto possível, dos noticiários e das notícias que chegam da família e amigos que lá ficaram.
A Hanna chegou com a filha Sofiia, estudante de engenharia computacional, e com os pais idosos – ambos médicos na Ucrânia. Ainda se encontra a trabalhar remotamente para a sua empresa, mas só conseguiu um computador para ela e para a filha, que partilham no refeitório do centro de acolhimento, enquanto utilizam wifi do mesmo.
É diretora de recursos humanos, mas diz que o salário que ganha da empresa dela não vai permitir fazer vida aqui em Portugal e sustentar a família que trouxe consigo. Não podemos esquecer que a economia da Ucrânia é das mais débeis do Mundo, como tal, os refugiados ucranianos não vêm propriamente preparados para o custo de vida português.
A Hanna, com receio de não conseguir sustentar a família, considerava já ter que mandar os pais para o Cazaquistão, porque dizia que era o único sítio onde poderiam exercer medicina sem ter que fazer testes ou pedir equivalências. A filha Sofiia, de 21 anos, queria muito continuar a estudar em Portugal e, por isso, procura trabalho na área dos call centers, ou algo semelhante. Não é tão fluente em inglês como a mãe e ambas preferem oportunidades presenciais, pelo mesmo motivo que a Sasha.
O remoto, com todas as vantagens que tem, não parece ser a solução ideal nestes casos. Há uma grande necessidade de apoio físico e de proximidade humana que o digital não consegue colmatar, pelo menos para já. A médio e longo prazo poderá acontecer o contrário. A Sasha, por exemplo, já se vê a viver em Portugal, mas gostava de, um dia quando a guerra acabar, voltar a trabalhar para a Ucrânia e ajudar, de alguma forma, o país e as suas empresas a recuperar.
Pode não ser a escolha principal para muitos, neste momento, mas não temos dúvidas que o remoto contribuirá significativamente para a recuperação da Ucrânia, sendo uma ferramenta crucial para dar continuidade (ou início) à atividade empresarial ucraniana, mesmo com infraestruturas destruídas.
Estes dados estão em constante atualização, mas em várias regiões do mundo é notório o impacto dos trabalhadores remotos, e nómadas digitais, na economia local. Um artigo realizado para a Citrix, em 2019, revelava que a mudança para uma cultura de trabalho flexível podia resultar em ganhos na ordem dos 2,36$ triliões anuais para os EUA. Em fevereiro de 2022 uma notícia da Forbes divulgava que investigadores de vários países (incluindo Reino Unido, França, Alemanha e os EUA) consideravam que os impactos da pandemia de COVID-19 na economia seriam muito mais graves sem o trabalho remoto.
Um caso concreto de sucesso é a Região Autónoma da Madeira, que em maio de 2021, previa um impacto económico mensal estimado em 1,5 milhões de euros, em consequência da atração de profissionais remotos e nómadas digitais. Atualmente sabemos que várias empresas, nomeadamente do setor tecnológico, se mantêm a trabalhar em regiões da Ucrânia, numa tentativa de manter as empresas vivas e a pagar impostos e salários. Por estes motivos, consideramos que o trabalho remoto tem, e terá, um impacto positivo na gestão económica da Ucrânia.
Se conheces refugiados ucranianos à procura de soluções remotas ou trabalhas numa empresa que pretende oferecer emprego neste regime, estas plataformas têm o que é necessário para te ajudar a concretizar os teus objetivos:
Por mais cliché que possa parecer, está efetivamente ao alcance de cada um de nós (e de cada empresa) ajudar a minimizar os efeitos devastadores desta Guerra e contribuir para a melhor integração possível de quem escolheu o nosso país para recomeçar.
A responsabilidade social não é, nem deve ser, apenas mais um texto para encher uma seção no website corporativo. É nas ações do dia a dia e, especialmente em contextos como o que vivemos, que se percebe quem personifica os valores que comunica. De forma remota ou presencial, há muito que pode ser feito para ajudar nas mais diversas áreas. E a tua empresa, o que está a fazer por quem mais precisa?
Passei pelo seu post por acaso e, pô, me prendeu! O jeito que você descomplica esses temas cabeçudos e joga a real, explicando tudo na lata, é demais. Já meti seu site nos meus favoritos =*